Ela é vista como a primeira pessoa a enfrentar a matilha de homens, no período de terror, e ter a cabeça decepada na guilhotina. Olympe de Gouges é autora da primeira declaração universal dos direitos da mulher e da cidadã. No entanto, em seu processo, momento em que os “iluminados” homens de lei e dos bons costumes que antecederam a Revolução Francesa, tiveram sua história e percurso ignorados.
Em 3 de novembro de 1793, pela manhã, de camisola branca e cabelos loiros cortados até a nuca, ela foi conduzida na charrete até a praça da Concórdia, onde a maioria dos condenados subia os degraus.
Sem advogado para defender sua causa, o tribunal de Robespierre a condena à morte. Seu legado é lembrado somente dois séculos depois, quando tentam resgatar sua memória e importância. Ao ser condenada, ela disse que se a mulher pode subir as escadas para perder a cabeça na guilhotina, também pode discursar na tribuna e ser eleita.
Olympe de Gouges é considerada a primeira militante feminista. Em seu tempo, ela requisitava a participação da mulher tanto na rua quanto na tribuna do parlamento e na revolução. Ela era chamada pejorativamente de “tricotadeira” pelo fato de convencer as mulheres amaldiçoadas, maltratadas pela monarquia e pelo machismo que vigorava. Em seu discurso, ela afirmava que “a mulher nasce e permanece igual aos homens em direitos”.
A guilhotina era também uma forma de veneração popular e o povo se aglomerava para ver a cabeça se desprender do corpo, cair no chão depois de ser exibida como se fosse o troféu da lei.
A pena de morte francesa somente foi extinta em 1981, quando François Mitterrand foi eleito presidente pela esquerda. O ministro da Justiça, Robert Badinter, dizia que era melhor soltar dois bandidos do que condenar um inocente.
Mas nem tudo são flores e rosas para as mulheres. Se elas hoje ocupam um lugar honrado na política e nos movimentos sociais, não é um presente feito pelos homens, mas da conquista do militantismo, da tomada de consciência e pela coragem de enfrentar o lado opressor.
O exemplo que resgata o feminismo vem de Gisèle Pelicot, a mulher dopada e estuprada por mais de 50 estranhos durante dez anos a mando do próprio marido, que pagava os atos sexuais e gravava em vídeo. A imprensa internacional se fez presente no sul da França, na cidade de Mazan, para testemunhar a coragem desta mulher que decidiu pelo processo aberto e não restrito aos advogados e acusados.
O ex-marido, Dominique Pelicot, reconheceu ter drogado a companheira com ansiolíticos. Inertes e totalmente inconscientes, os clientes contratados pela Internet obedeciam às ordens do carrasco sexista, despiram-se na cozinha, não gemiam e deviam ter as unhas cortadas.
Gisèle Pelicot afirmava que seu desejo era que todas as mulheres vítimas de abuso sexual não se calassem porque o silêncio consente.
Dominique Pelicot teve a condenação exemplar de vinte anos em regime fechado, assim como os clientes do estupro.
Mário Doraci Pinheiro é formado em filosofia e jornalismo em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, fez mestrado em sociologia da comunicação, doutorado em Ciências Políticas pela Universidade Paris 9, França, e pós-doutoramento em Sociologia pela Universidade do Minho, em Braga, Portugal.